Tenho hoje uma rotina muito rica. Ela é tão repetitiva quanto inovadora. Acho que a construí ao longo da vida. Circulo em diversas cidades, lido com diversos grupos e culturas. Um privilégio. Ter saído de minha terra natal assim que me formei em engenharia, lá no final dos anos setenta, foi absolutamente essencial para moldar uma alma ao mesmo tempo nômade e quieta. Gosto de mudar, de ficar, de mudar, de ficar….
Habitar a rotina é tão importante quanto deixá-la. Para evoluirmos, é preciso conseguir ver como é a vida em outras culturas.
Cultura e rotina são duas faces da mesma moeda.
Não podemos compreender nossa rotina desatrelando-a de nossa cultura. Entre a cultura nacional e nossa cultura pessoal, existem as diversas culturas grupais, dentre elas, a da nossa empresa. Todas elas meio que emaranhadas. Do país à família, as diversas culturas formam um amálgama maior que também chamamos de cultura. Uma metacultura.
Como conseguimos nos ver, além dessa metacultura e de todas as rotinas?
Com a necessidade de nos conhecermos para poder evoluir, precisamos exercitar mais a solidão para conhecer esse estranho que nos habita. Talvez o homem shopenhauriano seja o homem desaculturado, o “além-homem” de Nietzche, um exercício teórico de solidão e pureza na tentativa de ver a profundidade da natureza humana. Essa dimensão solitária que nos acompanha diuturnamente, também ela, até que ponto, está totalmente desaculturada? No limite do real, o ego também reflete a cultura.
Precisamos, não de uma vez ou outra, mas sim, com uma certa frequência, sair de nossa rotina e mergulharmos em viagens interiores. Não há evolução possível sem olharmos para dentro de nós.
Quando fazia maratonas, tinha a sensação de sair do mundo a cada corrida a partir de uma certa distância. Muitas ideias apareciam depois de correr algum tempo.
Depois, não pude mais correr, passei a andar. Andar por horas, sair do contato, estar comigo. Foi assim que fiz o Caminho de Santiago de Compostela. Lembro-me de cada dia nessa maravilhosa aventura. Recomendo a todos, que possam fazer, esse caminho pelo menos uma vez na vida, seja o famoso Caminho francês, o romano ou o português. Costumo brincar que todos os Caminhos de Santiago de Compostela levam a você, ao seu interior. Ah!, o Caminho é pra ser feito só. Uma viagem de autoconhecimento.
Como olhar criticamente a nossa rotina sem esse exercício de isolamento, sem nos desapegarmos minimamente da cultura em que atuamos? Precisamos reconhecer quando nossa ação é feita por nós mesmos ou por nossa cultura. Temos que reconhecer quando somos apenas efeito do eco cultural ou quando nossa ação vem primordialmente de nossa evolução interior.
Discernindo o que é feito pelo meu próprio ato de vontade das ações que tomo meio que inercialmente pela cultura de onde estou, consigo também avaliar o que eu realmente posso mudar, o que depende de mim e o quanto posso avançar.
Ter uma rotina rica é necessário, sair dela também.
1 Comentário. Deixe novo
Parece uma dicotomia, manter a rotina e mudar, com frequência. Mas, realmente, são duas vertentes complementares para a sobrevivência da espécie, de profissionais e de empresas (gerenciamento da rotina e gerenciamento das melhorias, da inovação, da mudança. Parabéns, Murilo.