Dialética (Abbagnano)

DIALÉTICA (lat. Dia-lectica; ingl. Dialectic; franc. Dialeclique; ai. Dialektik) – Esse termo, que deriva o seu nome do diálogo, não foi empregado, na história da filosofia com um significado unívoco, que possa determinar-se e esclarecer-se uma vez por todas; mas recebeu significados diferentes, diferentemente aparentados entre si e não redutíveis uns aos outros ou a um significado comum. Podem-se, todavia. distinguir quatro significados fundamentais: 1. a D. como método da divisão; 2. a D. como lógica do provável; 3.° a D. como lógica; 4 . a D. como síntese dos opostos. Esses quatro conceitos se originam das quatro doutrinas que influenciaram a história do termo e, precisamente, da doutrina platônica, da aristotélica, da estóica e da hegeliana.

É possível, na esteira da documentação histórica correspondente, desembocar em uma caracterização bastante genérica da D., que de algum modo resume todas as outras. Pode-se dizer, por exemplo, que a D. é o processo em que comparece um adversário para ser combatido ou uma tese a ser refutada e supõe, portanto, dois protagonistas ou duas teses em conflito; ou que é um processo que resulta da luta ou do contraste de dois princípios ou de dois momentos ou de duas atividades quaisquer. Mas se trata, como se vê, de uma caracterização tão genérica, que não teria nenhum significado histórico nem orientador.O problema histórico é o de individuar claramente os significados fundamentais e as múltiplas e díspares relações que ocorrem entre eles (cfr. Studi sulla Dialettica, de vários autores, em Rivista di Filosofia, 1958, n. 2).

  1. A D. como método da divisão.
    Este foi o conceito que Platão formulou. Para ele, a D. é a técnica de pesquisa associada que se efetua através de duas ou mais pessoas com o processo socrático de perguntar e responder.
    A filosofia era, de fato, para Platão não uma tarefa individual e privada, mas obra de homens que “vivem juntamente” e “discutem com benevolência” ; é a atividade própria de “uma comunidade da educação livre” (Leis, VII, 344 b).
  2. A D. como lógica do provável.
    Para Aristóteles, a D. é simplesmente o processo racional não demonstrativo: dialético é o silogismo que , em vez de partir de premissas, verdadeiras, parte de premissas prováveis, isto é, geralmente admitidas.
    “Provável, diz Aristóteles, é o que parece aceitável a todos, ou à maioria, ou aos sábios e entre este ou a todos, ou à maioria, ou aos mais conhecidos e ilustres” (Top., I, 1, 100 b 21 e segs.). Por extensão, depois, Aristóteles chama dialético também ao silogismo “herístico”, isto é, aquele que parte de premissas que parecem prováveis, mas não o são (Ibld., 100 b 23 e segs.). Para esse conceito da D. Aristóteles reconhecia como inventor desta a Zenão de Eléia (DIÓG. L., VIII, 57) : Zenão, com efeito, na sua refutação do movimento, parte da tese provável, isto é, aceita pela maioria, de que o movimento existe. O porque do uso do termo “D.” nesse sentido é explicado pelo próprio Aristóteles dizendo que “enquanto a premissa demonstrativa é a assunção de uma das duas partes da contradição, a premissa D. é a pergunta que apresenta a contradição como uma alternativa” (An. pr., l, 1, 24 a 20 e segs.); e assim ela faz uma certa referência ao diálogo.
  3. A dialética como lógica.
    O terceiro conceito de D. deve-se aos Estóicos que a identificaram com a lógica em geral ou, pelo menos, com aquela parte da lógica que não é retórica. Considerando, na verdade, ã retórica como a ciência do falar bem nos discursos que dizem respeito às “vias de saída”, ao passo que_a_D. é a ciência do discutir retamente nos discursos que consistem em perguntas e respostas (Dióc. L., VII, l, 42). Essa identificação da D. com a lógica geral tornou-se possível graças à transformação radical que os Estóicos fizeram sofrer à teoria aristotélica do raciocínio. A demonstração, sendo para eles “o fazer servir as coisas mais compreensíveis para explicar as menos compreensíveis”.
  4. A dialética como síntese dos opostos.
    O quarto conceito de D. é o formulado pelo Idealismo romântico e, em particular, por Hegel; o qual principio foi apresentado _pela primeira vez por Fichte na Doutrina da Ciência, de 1794, como ”síntese dos opostos por meio da determinação reciproca”. Os opostos de que falava Fichte eram o Eu e o Não-eu e a conciliação se dava, segundo Fichte, pela posição do Não-eu por parte do Eu e pela determinação que do Não-eu se reflete por sua vez sobre o Eu, produzindo neste a representação (Wissenschaftslehre, § 4, E). Mas para Hegel a D. é “a própria natureza do pensamento (Enc., § l) já que é a resolução das contradições em que a realidade finita, que como tal é “objeto do intelecto, permanece enredada.
    A noção de D. assumiu, portanto, na sua história quatro significados fundamentais, emparentados entre si, mas diferentes. Embora o último seja o mais difundido hoje em filosofia e aquele a que faz referencia mais frequente do uso da palavra na linguagem comum (“D. da História”, D. da vida política”, “D. espiritual”, “D. dos partidos” etc.), é também o significado mais desacreditado por haver servido como uma espécie de formula mágica que pode justificar tudo o que aconteceu no passado e que se espera, ou se deseja que aconteça no futuro. Se da palavra em questão se deverá fazer no futuro um uso cientificamente fecundo, não será certamente esse quarto significado que dará as regras de tal uso.

 

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