A gente se acha, mas se conhece pouco. E o pouco que acha se conhecer contém doses generosas de benevolência e auto-ilusão. Antes de morrermos, poderemos ter a chance de responder a essa pergunta de forma honesta, colocando para fora questões viscerais que nos atormentaram por toda a vida: Você foi você?
Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses! O grande e definitivo desafio socrático, se bem trabalhado, poderia nos ajudar a responder a essa pergunta: Você foi você ao longo de sua vida? Sua evolução lhe trouxe paz, serenidade e leveza? Terá você conseguido ver e dar sentido nessa passagem que tivemos por aqui?
Mesmo sem nos conhecermos profundamente, nos vemos na posição de guiar pessoas, liderá-las em prol do bem comum e do progresso da organização que lideramos. Coisa mais difícil. Um ignorante de si próprio liderando vários outros ignorantes de si mesmos. Não é à toa que estamos sempre procurando métodos que nos guiem na linha do bom comportamento, seja como líder ou como liderado.
Existem os curiosos, os repetidores de procedimentos, os escravos da coerência, os descrentes, os emotivos, os que de tudo desconfiam, os ingênuos, os estudiosos e os de bom e de duvidosos caracteres. Quem somos nós que guiamos milhares de pessoas? Deveríamos nos conhecer melhor para nos credenciar a liderar pessoas?
Sendo você um razoável desconhecido de si próprio, como você poderia se tornar uma liderança?
Há muitos e muitos anos, dedico tempo tentando equacionar esse dilema. É possível uma pessoa conhecer-se de verdade sem que ela experimente todas as situações que de fato podem nos revelar? Você consegue se conhecer apenas a, partir de um exercício teórico, criando e estimulando situações que não existem na prática? Medo, complexos diversos, oportunismo, maldade ou generosidade são, por exemplos, capazes de serem simulados e, assim, aumentar seu conhecimento sobre si próprio?
Teríamos então o Murilo teórico, descoberto por provocações artificiais, mas aquele Murilo socrático, resposta viva da vida real continuaria desconhecido. Rapidamente, poderíamos concluir que só existe o Murilo real que permanecerá desconhecido até que que condições reais pudessem revelá-lo.
Confesso que, na impossibilidade de viver e revelar o Murilo real, já que eu todos nós nos poupamos das vicissitudes do mundo real, a provocação de Sócrates não tem resposta.
Quando estiver próximo do fim e “alguma voz” me perguntar se eu fui eu ao longo da vida, o mais provável é responder com um decepcionante e frustrante “não sei”. Conheço esse sujeito apenas superficialmente.
Assim, tenhamos paciência para desbravar esse caminho difícil, sofrido e tortuoso do autoconhecimento. Ele é mais feito de vivências do que de opiniões. Não há atalhos para percorrer esse caminho.
Mesmo com um conhecimento modesto de si próprio, nos vemos liderando milhares de pessoas que padecem da minha mesma ignorância talvez acrescida de alguma autoilusão que lhe permite julgar-se conhecedora em alto grau de si própria.
Acho que as situações-limite podem nos ajudar a nos conhecer mais. A morte alguém querido, a proximidade da sua própria, uma grande perda, um grande drama, ou ao contrário, uma grande conquista, a perspectiva de grandes conquistas, uma alegria incontida…. As situações-limite têm um poder de revelação de nós mesmos. Chego a pensar que “viver mais ou menos” jamais nos permitirá um conhecimento profundo de nós mesmos. Os extremos nos revelam mais diante de nossos olhos acostumados a uma rotina segura e previsível.
Teremos que responder a essa pergunta se você quiser evoluir: VOCÊ FOI VOCE AO LONGO DE SUA VIDA? Mergulhe em suas profundezas através de situações-limite e talvez algumas respostas se formem diante de você.