O sentido prioritário nas relações entre os agentes e o papel dialético de seu núcleo.
Extraído do livro “Diagnosticando a empresa viva”, 1996, autor Murilo Sampaio
Antes de começar a configurar o núcleo, é preciso reforçar sua conceituação. O núcleo deve ser entendido como o local de onde as diretrizes são emanadas. Numa empresa, seria o conjunto de pessoas que comanda a organização. Não é o colegiado de acionistas, se os mesmos não participarem da gestão do negócio. Via de regra, é a diretoria da organização, formada por profissionais, com a participação, ou mesmo o comando de um dos acionistas. O importante é que nele esteja o poder, de fato, da empresa.
O núcleo deve ter sensibilidade para captar a expectativa de todos os agentes sob sua ação direta; capacidade para qualificar a relação com cada um desses agentes e criar formas para evidenciar os resultados dessas relações. Ao mesmo tempo em que capta as expectativas dos agentes, precisa estar ligado aos fatores conjunturais tangentes ao seu negócio. Além de criar políticas e coordenar ações no sentido de responder aos desafios diários, precisa estar ligado continuamente ao futuro e ao permanente desafio de mudar o perfil de sua organização.
Harmonizar o que tem sido antagonizado pelo tradicionalismo gerencial é um dos principais desafios das políticas a serem emanadas pelo núcleo. Cliente satisfeito x Acionista remunerado x Fornecedor comprometido x Empregado motivado, são contendas que precisarão se transformar em jogos criativos que evidenciem resultados satisfatórios para cada agente. Conseguir romper com o maniqueísmo a que nos acostumamos e entender o nosso verdadeiro papel, dará origem a um gerente diferente. Um gerente que consegue transitar pela contradição, sem ser contraditório. Um gerente que convive com injustiças, sem deixar de se indignar com elas. Um gerente que exerce seu papel, mas não nega seus valores. Nascerá, aos poucos, o gerente dialético, como sendo a única forma viável (SUSTENTÁVEL) de fazer nossas organizações progredirem. Mais adiante voltaremos, em detalhes, ao nosso novo gerente.
Ainda no campo dos papéis, o núcleo precisará – sob pena de não ter eficácia diretiva se não o fizer – estudar e evidenciar a expectativa de cada agente e fechar um balanço de expectativas para então poder perceber o campo e os limites de sua ação gerencial.
Interação do líder com o cliente
Poderão ocorrer diversas configurações para o núcleo, dependendo da fase que a organização estiver passando, ou mesmo em função de uma estratégia pré-definida.
A priori, todas as qualificações atribuídas aos agentes são desejáveis. Quem de nós não quer satisfazer seus clientes ou motivar seus empregados? A este tipo de questionamento, respostas convencionais serão as mais encontradas. A importância em si não pode ser medida em palavras, mas, sim, pelo tempo dedicado pelo núcleo, visando atingir tal qualificação em cada um desses agentes.
Noutro dia, conversava com um dirigente de empresa estatal sobre essa forma de evidenciar a importância a partir do núcleo da organização. Ele comentou que essa forma não se aplicaria ao seu caso, vez que mais da metade do seu tempo, ele passava dando explicações ao governo sobre diversas questões que nem sempre estavam relacionadas diretamente ao seu negócio ou à sua atuação. Argumentei que esse fato, de per si, já era uma própria evidência de certa deformação que poderia ser configurada como uma espécie de desperdício gerencial. Num outro sentido, o mesmo acontece quando o comando de uma organização dedica quase todo o seu tempo às ações conjunturais, colocando em segundo ou terceiro plano as políticas gerenciais de sua empresa. Em sistemas econômicos fechados, como foi o caso do Brasil até bem pouco tempo atrás, os comandantes organizacionais se dedicavam a viabilizar suas respectivas empresas através de pleitos e negociações com autoridades públicas, e pouca atenção era dispensada às transformações estruturais de suas próprias organizações. É natural e necessário que o comando de grandes organizações dedique parte do seu tempo à análise e às ações de natureza conjuntural, mas deve começar igualmente a se preocupar com a transformação interna de suas empresas.
Não é razoável que um líder empresarial não converse ou não conheça seus principais clientes. Que o crescimento de sua organização lhe tenha roubado a prática do balcão e não lhe sobre tempo para aprofundar o conhecimento de Sua Excelência, o cliente. O mesmo se dá em relação aos empregados e aos fornecedores. É muito comum os núcleos de comando concentrarem seu tempo em reuniões, ora com os acionistas, ora se preparando para as mesmas, ou em frequentes encontros com autoridades públicas. Procurar o equilíbrio entre as ações de alcance interno e externo, parece ser uma necessidade. Este desafio deve ser buscado pelo seleto grupo que participa do núcleo e determina as diretrizes empresariais.
Enquanto núcleo, quando falamos com o cliente, somos fornecedor; quando falamos com o fornecedor, somos cliente; quando falamos com o empregado, somos o patrão, e quando falamos com o acionista, somos o empregado. Somos todos, representamos todos, e, acima ou ao lado de tudo, somos pessoas que podem e devem gerar relações baseadas em valor. E dessa circularidade simultânea de papéis que a liderança dialética emergirá.
Assim, o núcleo assume a configuração de seus papéis e terá também que estabelecer relações interpessoais. Surgirá um núcleo equitativo, que dará atenção a todos os agentes e poderá desenvolver relações também num campo além-profissional, com horizonte ampliado, baseado em valores e aspectos que transcendem a simples vinculação empresarial. Tal núcleo poderia ser representado desta forma:
Ele é, ao mesmo tempo, um pouco de cada agente; funde a percepção das expectativas de cada um desses agentes com seus valores e objetivos, e a partir daí molda sua ação. Se não houver qualquer senso de valor além das fronteiras do negócio, a relação será apenas formal, profissional e, nos dias de hoje, poderá ser limitada para enfrentar os desafios que se apresentam diante de nós. Ocorrerão diversas variações na configuração entre o núcleo real e o núcleo ideal, segundo a visão de seus integrantes. Como dissemos, um bom começo seria obter um senso comum do grupo envolvido quanto ao perfil ideal que o núcleo deveria ter.
Certa feita, como diretor de operações de uma grande empresa de serviços, cheguei à conclusão de que a excelência de nossos serviços era prejudicada em função do pouco comprometimento de nossos contratados. Após debater o assunto em reunião de diretoria, decidimos inserir, como um dos programas estratégicos, a melhoria das relações com os nossos fornecedores. A partir desse momento, deflagramos um plano visando melhorar nossa forma de trabalho. O programa era da empresa, mas liderado por um de seus diretores. O diretor-financeiro, por exemplo, não dedicava maior atenção ao assunto, apesar de, devidamente informado, assimilar a ideia de que todo o núcleo mudava um pouco de perfil em relação a esse ponto específico.
O importante é que haja um entendimento e uma imagem comum para o núcleo. Dependendo da natureza do negócio (uma empresa industrial, uma empresa de franquia, uma empresa apenas comercial, uma empresa financeira, uma empresa monopolista, uma empresa estatal…), a configuração do núcleo será de uma forma ou de outra. Quanto mais complexa for – como uma montadora de automóveis, por exemplo, que, com certo grau de verticalização, uma infinidade de fornecedores, grande contingente de empregados, que aplica tecnologias de ponta, ampla rede de distribuição, que precisa de marketing institucional, atua em escala global e que detém importantes interfaces com organizações públicas mais equilibrada tenderá ser a configuração de seu núcleo. No Brasil, por hipertrofia da ação produtiva do Estado, que criou várias empresas, os núcleos de tais empresas seriam diferentes. Uma empresa estatal que não compete, que não paga dividendos, e que mantém relações formalizadas em lei com seus fornecedores, teria obviamente um núcleo sobrecarregado de atenção a seus empregados, uma vez que os outros três agentes fogem ao seu controle efetivo.
Desta forma, o núcleo poderá assumir diversas configurações, em diversos graus.
Já definimos, anteriormente, para o escopo deste livro, o papel dos quatro agentes sob ação direta do poder das organizações e a formatação de seus núcleos. Importa, agora, entender o sentido das relações geradas por eles. Como vimos, você, dirigente empresarial, que é responsável pela elaboração e aplicação de políticas e pelos resultados delas advindos, é um pouco acionista, empregado, fornecedor e cliente. Um instante, você interage com um deles, para, no momento seguinte (trocando de papel), interagir com o outro. É claro que, numa sociedade que incentiva a busca de poder e, com isso, a independência, e confunde sucesso com a conquista de determinados símbolos, você gosta mais de ser cliente e acionista do que fornecedor e empregado. Mas não adianta.
Em algum momento – por menor que seja – você é um desses quatro atores:
- Você, dirigente empresarial, quando fala com o acionista, é empregado.
- Você, dirigente empresarial, quando fala com o empregado, é acionista.
- Você, dirigente empresarial, quando fala com o cliente, é fornecedor.
- Você, dirigente empresarial, quando fala com o fornecedor, é cliente.
- Você, dirigente empresarial, quando faz às vezes de empregado ou fornecedor, assume uma postura diferente daquela que tem quando faz às vezes de acionista ou cliente.
- Quando empregado e fornecedor, você serve e com isso, RESPONDE.
- Quando acionista e cliente, você é servido e com isso, PERGUNTA.
A cena empresarial, que se utiliza do homem e suas relações, acaba introduzindo essas regras fundamentais para que sociedades econômicas possam ter relações segundo uma lógica adequada. É uma forma de forçar e instituir a utilização dos papéis inerentes à cena empresarial. Tais papéis determinam o sentido da relação e a geração de expectativas. Desrespeitá-las é não participar do jogo.
O importante é realçar e deixar marcado para a compreensão do modelo que, enquanto dirigentes empresariais, é obrigatório assumir papéis variados que só não chegarão a ser contraditórios se houver uma perfeita compreensão do papel dialético que toda Liderança moderna precisará doravante exercer.
Combinando, agora, a relação entre os papéis que todos exercemos, não só podemos estabelecer a configuração entre os agentes, como também o sentido ditado pelo jogo empresarial em cada uma dessas relações.
Essa configuração dos papéis profissionais que temos que assumir no jogo empresarial pode ser agora combinada com a configuração das relações entre agentes a partir de seus valores, e com isso estabelecer a primeira configuração geral do nosso modelo que servirá de base para estudar as diversas combinações que a realidade nos oferece.
Limite entre a conjuntura e a estrutura organizacional