“Murilo, você precisa administrar seu cemitério relacional…”, advertia-me um de meus conselheiros de início de carreira. “Você decide muito rápido e acaba, com suas decisões, formando seu cemitério relacional particular”, “Cuidado! O custo desse cemitério é elevado”, ensinava-me ele. Ele se referia como cemitério às relações que perdemos ao longo de nossa liderança.
Sempre escrevo para as jovens lideranças e muito baseado no que vivi. O exercício de liderar é o exercício de decidir e toda decisão implica muito mais renúncias do que escolhas. Você corresponde às expectativas de alguns, mas decepciona um grupo bem maior.
Assim, todo líder carrega um cemitério de relações prejudicadas ou até interrompidas. Por mais cuidadosos que sejamos, nossas decisões quase sempre deixam de agradar a todos que participam do processo. Faz parte. Liderar é muito mais contrariar do que que corresponder às expectativas da maioria. Mas devemos ter sensibilidade para administrar esse cemitério.
Quanto mais poder você exerce, maior é a possibilidade de aumentar esse cemitério. É uma questão de lógica, interesses contrariados, sua rejeição aumenta.
O velho Drucker sugeria um teste para ver se você confiava ou não em determinada pessoa: “Você deixaria essa pessoa educar seu filho?”, perguntava ele. Fiz esse teste várias vezes ao longo de minha carreira, perguntando-me se eu gostaria que determinada pessoa cuidasse da educação de meus filhos. Faça esse teste você mesmo com determinadas pessoas, sobretudo com a pessoa que exerce liderança em seu ambiente de trabalho e as respostas poderão ser bem reveladoras.
A base de uma relação promissora é a confiança. Em seguida, uma espécie de admiração mútua, nem sempre bem explicável, pode ser construída. Se nossos subordinados confiam em nós, a tendência é que a compreensão assuma um papel de maior importância, não deixando que esse cemitério cresça indefinidamente.
O ato de decidir é quase uma arte. Precisa de muito mais do que conhecimento. Precisa ser mais um exercício de sensibilidade para fazer, através da inteligência, pontes entre as circunstâncias e a verdade. Tenha a coragem de estar errado. Somente os corajosos são capazes de cometer erros, ensinava Hegel. Decidir é ter essa coragem, mas podemos ser treinados a decidir com inteligência e sensibilidade.
Vivemos em um mundo onde os processos organizacionais, cada vez mais digitalizados, vêm substituindo a relação pessoal. Mas a qualidade da relação não deixou de ter importância. E isso aflora com mais clareza quando decisões importantes são tomadas. Não importa o cenário das decisões, nossas digitais estarão no processo.
Com a Inteligência Artificial e seu avanço no campo das decisões estratégicas, pode ser que nosso cemitério pessoal diminua. Vamos aguardar para ver. Acredito que a participação humana, e nossa responsabilidade como líder, jamais desaparecerá. A gestão de nosso cemitério não será encerrada, será apenas modificada.
Não consigo ainda prever o momento em que as decisões da liderança perderão o impacto de hoje. Decidir é escolher e escolher é provocar mais desapontamentos do que apoios. A questão da confiança, se bem trabalhada, ajuda muito na aceitação das decisões.
Assim como a confiança que a liderança inspira, a qualidade da comunicação que ela pratica tem enorme importância na administração desse nosso cemitério.
O importante, finalizando, nenhuma liderança terá vida longa se não prestar atenção a esses detalhes que podem ajudar muito na administração das adversidades às nossas decisões.
Como a voz corrente ensina, a estória do sucesso, ninguém sabe; a do fracasso, por certo, é querer agradar a todos. Mas há cuidados importantes para administrar de forma positiva aqueles que discordam de nós. Isso é bom, só exige cuidados.
1 Comentário. Deixe novo
Excelente reflexão. Acho que a IA irá atuar no processo de Liderança e poderá contribuir para decisões compartilhadas com alcance mais amplo!