O Diabo veste Prada é um filme que mostra e realça as disfunções de uma liderança condenável. Ele nos prende a atenção o tempo todo. Longe do tédio, nos aguça a curiosidade para os possíveis desdobramentos que a figura principal irá empreender. Ela possui quase tudo que condenamos, mas isso não diminui nosso interesse em conhecê-la mais, pelo contrário, vai aumentando com o passar do filme.
Miranda Priestly, editora de uma importante (e fictícia) revista internacional de moda, é interpretada pela magistral Meryl Streep, já indicada vinte e uma vezes ao Oscar, o que nos dá uma ideia da perfeição de suas performances.
Miranda encarna o arquétipo da liderança que condenamos, e vai nos lembrando das pessoas que habitam nosso dia a dia. Através de seu caráter e de suas ações para defender unicamente seus interesses, ela vai mostrando como está presente em nosso cotidiano muito mais do que imaginamos. Uma líder egocêntrica, incapaz de fomentar uma cultura positiva de grupo ou de demonstrar qualquer empatia com seus comandados. Nada além dela parece ter importância na forma em que atua e no tratamento que dispensa aos outros em geral e à sua equipe em especial. Desprezo, desrespeito e humilhações compõem seu arsenal de maldades. Os porquês tais características nos mantêm presos ao filme devem ser objeto de nossa própria reflexão.
Essas Mirandas, via de regra, são pessoas atraentes, inteligência bem acima da média, com muitas qualidades, conteúdo, dedicação e visão de negócio, mas também pessoas emocionalmente frágeis que se fazem de fortes para esconderem suas fraquezas e dificuldades na lide com sua própria vida.
Ao longo da vida, vejo quantas Mirandas encontrei. Foram muitas! Lidar com o poder sem ter base emocional e valores à prova de tentação acaba quase sempre nos levando para o arquétipo Miranda.
Lidar com o poder exige um mínimo de educação, mistura de conhecimento, reflexão e controle emocional. Deixamos nos inebriar pelo poder e, quando vemos, estamos humilhando nossos subordinados na frente dos outros, levantando a voz de forma desnecessária ou descarregando na equipe nossas frustrações pessoais. E, pior, não fazemos autocrítica honesta, continuando com a saga que Miranda tão bem ilustra no filme. Mas sabemos, isso não é sustentável por um prazo muito longo.
Olho para trás e vejo que tive (e ainda tenho, bem menos, é verdade) algumas Mirandas em minha vida. Com o tempo, evolução e paciência, o número de Mirandas pode ir diminuindo (desaparecer, acho difícil).
Ao conhecer as Mirandas que cruzaram minha vida, ainda não conheci nenhuma que fosse uma pessoa admirável por um longo período de tempo. Só podemos exercer uma liderança consistente, criativa e sustentável se formos, na base, pessoas honestas e respeitosas. Podemos fugir o quanto der, mas a conta, lá no fim, acaba chegando, mais frequentemente, na forma de solidão.
As lideranças autoritárias e desrespeitosas agem assim como forma de defesa. Em várias organizações, acabam gerando seguidores que passam a replicar seu estilo de liderança, arruinando a cultura organizacional.
De qualquer forma, o Diabo, encarnado no personagem de Miranda é muito sedutor. Prende nossa atenção e nos provoca o tempo todo. O mal tem seu apelo. Na mesma época desse filme, havia um papa que também vestia Prada, mas ninguém se lembra…
E seu chefe, veste Prada?