O tempo, a palavra, a inovação e a dialética

Mesmo hoje, a precisão para estabelecermos a época do aparecimento do Homo Sapiens ainda é expressa em milênios. Se descobertas recentes colocam em dúvida quando nossos ancestrais surgiram, se há cem ou duzentos mil anos, o que pensar da linguagem falada? Sem deixar marcas no tempo que possam ser investigadas, a origem da palavra, sua forma evolutiva e sua multiplicação compõem um dos grandes mistérios da espécie. Foi e é a linguagem que liga nossa ancestralidade, lá das cavernas ao nosso Iphone. É através dela que a evolução acontece. É através dela que o pensamento toma forma e permite que a comunicação aconteça. A palavra é, de longe, a maior criação da espécie.

A ideia de tempo sugere algo fluido, algo como passado, presente e futuro. A “flecha do tempo”. Aprendemos que o tempo passa como um rio que flui. Não volta. Não há dois tempos iguais. Com o tempo, uma coisa vem após a outra. E, se a ideia, a metáfora de tempo fosse diferente? A morte não fosse apenas a do corpo? E se tivéssemos sido educados com uma semântica flexível, onde todos os tempos vêm e acontecem ao mesmo tempo? Não houvesse o nascer, o crescer, o amadurecer e o morrer, assim, um após o outro… Nas organizações, esse modelo de “tudo simultaneamente”, já que não há fisiologia corpórea. A cultura da organização bem que poderia ser conceitualmente modelada como o corpo do indivíduo.

Vivemos num tempo em que nascemos, crescemos, amadurecemos e morremos ao mesmo tempo. Como nos reconhecer no espelho? Somos aquele que está em que momento? Nascendo ou morrendo? Na verdade, poderíamos estar nascendo e morrendo. A noção do tempo fluidificado estabelecendo ciclos poderia também ser modelado como uma infinita helicoide em seu processo evolutivo. Uma evolução que carrega ao mesmo tempo os gens da caverna, da espécie, e captura e incorpora os progressos tecnológicos que a palavra nos permitiu.

Somos o homem da caverna com seus instintos imutáveis e o homem que incorpora e reinventa nossa forma de viver. Inventamos coisas, também novas palavras, costumes, culturas e avançamos. A tecnologia nos mata continuamente, nos tira da zona de conforto e também nos permite renascer. A dialética, como atitude mental, mantém a homeostase em nós, entre a caverna e a tecnologia. É dessa dinâmica que surge a necessidade de tê-la como uma ferramenta. Uma “amiga” a nos permitir interpretar o permanente ciclo de nascer e morrer dentro de uma mesma existência.

Como levar e desenvolver essa “gestão cultural” para nossas organizações? Como convencer nosso pessoal que temos que “morrer” para renascer mais fortes e mais felizes por termos expandido nossa compreensão sobre o tempo que vivemos? Esse é o desafio da liderança dialética.

Experiência é passado, rotina é a inovação organizada e inovação é a construção do futuro que os sentidos não alcançam. Parece uma coisa depois da outra. Mas, precisa ser assim?

Autor: Murilo Sampaio

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4 Comentários. Deixe novo

  • A linguagem me parece que vem em mão dupla: primeiramente mostrando a consciência da morte, concebida apenas entre os seres falantes. Como também tratando a angústia, o vazio existencial e nos projetando a criar, produzir, acreditar em utopias, seja pela via religião, política, cinema e até mesmo própria ilusão sobre a existência de um futuro. Sempre me pergunto se somos parasitas da linguagem? Ou se somos parasitados pela linguagem?

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  • Maria Luiza
    maio 28, 2021 8:13 am

    Muito interessante!

    Responder
  • Alberto Ramos de Oliveira
    maio 28, 2021 8:32 am

    Acho muito interessante essa ideia de que a comunicação é a maior criação humana. Concordo integralmente com ela, mas acho que estamos perdendo terreno. Nos comunicamos cada vez menos e de uma forma pior.

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  • Ótimo artigo!

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