Apenas os da minha geração (e que seguiram a carreira técnica) hão de se lembrar dos cursos que fazíamos para aprender a utilizar, com alguma destreza, as chamadas “réguas de cálculo”. Inventada no século XVII, eu, aos quinze anos, ainda fazia cursos para aprender a fazer operações matemáticas por meio da sobreposição de suas escalas logarítmicas. Posso afirmar que foi na minha geração que vimos as “maquininhas de cálculo”, da Texas Instruments e da Hewlett-Packard, enterrarem de vez essa engenhoca que perdurou por mais de três séculos.
Não há como nadar contra a poderosa maré das inovações tecnológicas. As “maquininhas de cálculo” também já desapareceram sem deixar rastros, sendo substituídas por poderosos processadores de dados interligados em velocidade furiosa, permitindo que crianças de seis ou sete anos possam pilotar dispositivos ainda mais avançados.
Não há saída. O desafio tecnológico está em como melhor aproveitar as ondas e não em perder tempo sendo a favor ou contra elas. Tenho amigos da minha geração que não aguentam mais ouvir falar em inovações tecnológicas. Mal dominam uma, já estão defasados. O desafio é maior para os mais velhos, eu bem sei.
Arthur Hailey, ao publicar em 1984 seu famoso Automóvel, em forma de romance, explora, décadas depois, como a inovação tecnológica lançada e popularizada modificou a sociedade no século XX. Algo semelhante, de forma inversa, está em curso. A locomoção deixará de ser absolutamente necessária para a criação de postos de trabalho e geração de riquezas. Algo como a “desautomobilização” em um horizonte, talvez, de um século.
O trabalho remoto, online ou híbrido é uma dessas inovações que vieram para ficar. Poder trabalhar sem precisar se locomover é algo extraordinário.
Para tratar desse tema, precisamos categorizar os diferentes serviços necessários para que uma empresa entregue seus produtos e serviços.
De forma genérica, podemos classificá-los em dois grandes blocos: os serviços intelectuais e os serviços operacionais, no chão da fábrica.
Chamo de serviços intelectuais aqueles corporativos que podem ser realizados de qualquer lugar. Não interferem diretamente na relação com o cliente, no faturamento, nem com as linhas de produção ou operações, muitas vezes ocorrendo até mesmo na casa do cliente.
Já os serviços de montagem, operacionais e definidos a partir da múltipla interação com diversos agentes da cadeia de produção, incluindo a participação do próprio cliente, demandarão mais tempo para que possam ser executados de forma híbrida e competitiva.
Negar a importância do regime híbrido de trabalho é condenar toda uma geração alfabetizada digitalmente à idade da pedra lascada. Todavia, o equilíbrio entre “presença & online” deve ser encontrado por cada empresa. Não acredito em uma única regra para todas as situações.
Tenho observado reações diversas nas empresas. A pandemia forçou todo o planeta a trabalhar de forma remota, involuntariamente. Superada a pandemia, algumas empresas voltaram imediatamente ao regime de trabalho anterior, como se nada tivesse ocorrido. Outras retornaram lentamente, mas algumas compreenderam o regime híbrido como uma oportunidade, um avanço tecnológico nas relações de trabalho. Sou um dos que veem o trabalho híbrido como uma oportunidade de avanço em termos de produtividade e qualidade. Repito, ainda não está acessível para todas as tarefas, mas o avanço será irreversível.
Minha experiência pessoal é positiva. Muito positiva. As nossas equipes que migraram para o trabalho híbrido relatam maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, maior flexibilidade para se dedicar ao que é prioritário, maior controle de suas próprias agendas, maior disciplina para início e término de reuniões, e não veriam com bons olhos o retorno ao trabalho convencional.
A meu ver, todos trabalharemos em regime híbrido no futuro. Olhando para trás, pergunto-me o que faria hoje com o velho hábito de chegar primeiro, antes de todos, e apagar as luzes ao sair por último. Rsrs
3 Comentários. Deixe novo
Parabéns pelo tema, Murilo! Concordo plenamente que o trabalho híbrido surgiu como uma inovação importante e, pela experiência que temos, vem trazendo excelentes resultados, tanto para as empresas quanto para os colaboradores. Tenho certeza de que, no futuro, muitas funções seguirão nesse formato híbrido, unindo o melhor dos dois mundos para aumentar produtividade e satisfação.
Análise e conclusões bem elaboradas!
Caro amigo Murilo,
Eu tenho uma certa dificuldade atualmente em trabalhar no híbrido, sem distrações.
Eu tive privilégio de trabalhar no híbrido, logo que a internet foi disponibilizada, ainda com discagem manual e aquele “barulhinho de chiado…”, justamente foi por volta dos meados dos anos 1990. Nessa época, poder trabalhar remoto, era um privilégio que agilizava muito a operação.
Hoje em dia, em que você está conectado quase que online o tempo todo, fico recebendo ligações, mensagens de WhatsApp, mídia social… e se você não responde ou não visualiza, a outra parte cobra como se tivéssemos não dado a devida importância. Na maioria das vezes, você está solucionando uma urgência e surge uma urgência maior… rsrsrsrs
Vejo que o processo é irreversível, mas teremos que nos disciplinar ao uso ou logo. todos estaremos doentes.
Eu também já cheguei primeiro antes de todos na empresa e apaguei as luzes ao sair… algumas vezes ainda retornava porque a solução que fiquei dia inteiro procurando, surgia no meio do caminho de volta para casa, para que no dia seguinte pudesse chegar no horário… O que acontecia era não dormir, e ir embora somente após implantar a solução que surgiu na volta para casa no dia anterior… rsrsrsrsr (Não sinto saudades dessa época, mas foi uma boa aprendizagem!)
Hoje, o que vejo com preocupação, é a agilidade da operação, deixando mais tempo livre para os trabalhadores. Porque o que é bom, se pode tornar o vilão e a necessidade de um “seguro social obrigatório”. Ainda mais, porque o Brasil é muito deficiente em termos de educação e os trabalhadores sem alta formação educacional de qualidade, não está preparado para desfrutar de todo esse benefício de ganho de tempo por meio do aumento da produtividade.
Saudações