Dediquei quase toda minha vida profissional a aprender (conhecer e praticar) como tornar uma organização mais eficiente e valiosa. Da habilidade individual até implantar e otimizar o gerenciamento estratégico compartilhado por todo o tecido da empresa, minha atenção e meus estudos visavam a fazer melhor, com custos menores, essa trajetória de administrar uma organização. Sempre acreditei que administrar é aumentar o valor da organização. Agora e no futuro, priorizando sempre o segundo. Trazer os “pontos-futuro” para a realidade das pessoas, motivando-as a se apropriarem de seus desafios.
Vivenciei a trajetória da palavra “Qualidade” e sua vasta hermenêutica, desde a “ignorância entusiasmada” do início dos anos 80 até um certo cansaço e desencanto com esse nome no fim da década de 90. Conceitos, métodos e ferramentas gerenciais: tudo pra tornar a organização melhor e em busca da excelência. Das ferramentas gerenciais mais utilizadas no mundo (*1), pelo menos, três quartos delas foram vivenciadas pelas empresas que dirigi.
Atmosfera gerencial
Do chão da fábrica até a liderança executiva da organização, esse caminho, pode ser estimulante e enriquecedor. O poder para mim tinha menos a ver com a propriedade da empresa do que com exercê-lo para colocar em prática formas e ideias para construir uma empresa melhor. De mais valor. Era uma visão tão pura quanto necessária para focar apenas nas melhorias organizacionais.
Discutíamos e até brigávamos no trabalho, não para ter a propriedade da empresa, mas sim, para ter mais poder em sua estratégia e sua rotina. Via de regra, essa é a atitude do executivo profissional. É como se o poder quase sempre se confundisse com a propriedade e em nome dela, pudéssemos exercê-lo continua e permanentemente.
Dependendo do estágio de evolução das empresas, a presença do proprietário ou do grupo controlador é maior ou menor. Mas, sempre existirá. Nas empresas, ditas profissionalizadas (as que têm parte do capital em Bolsa, teoricamente), a ausência do exercício de propriedade pode ser tão alta que os executivos, de tão poderosos, podem chegar a pensar que são seus proprietários. Pelo fato de os mesmos estarem fora da contenda diária, muita coisa pode ser feita à margem daquilo que seria suas orientações. O velho dito “nose in, hands out” é mais uma orientação genérica, nem sempre aplicável em momentos essenciais.
Só os acionistas relevantes (ou os donos) mais empreendedores, ousados e visionários percebem com clareza esta fronteira. O ponto onde é demarcado o fim do campo de atuação do poder gerencial e o início do poder da propriedade. Chamo esta fronteira de “atmosfera gerencial”. Só alguns proprietários do bloco de controle, muito raros, vão além dela. Entram e saem dela com habilidade capaz de enriquecer os ambientes que transitam. Chamo-os de “acionistas-astronautas”. Tem sorte a empresa que possui tais preciosidades. Aqueles que podem sair da empresa, transitar por outros espaços, ver mais além, o todo até e, de vez em quando, retornarem à atmosfera, sabendo provocar e contribuir sem interferir. Aí também vai um desafio dialético: atuar sem tocar! É realmente, repito, muito raro encontrar um proprietário de grande empresa com tal estágio evolutivo.
O comum, na melhor das hipóteses, é que as fronteiras sejam demarcadas e o conhecimento pragmático, a experiencia vivida, a história das empresas fiquem como guardiões da propriedade e durem apenas a geração do fundador. Ele não foi capaz de ir além do seu tempo, transitar pelo espaço, julgar e entender a finitude, semear inovações que o transcendessem. Foram determinísticos, não dialéticos.
No cenário real das empresas, procuram-se com extrema necessidade executivos com alma de dono ou donos com racionalidade executiva. Eles se equivalem.
*1 Ver pesquisas bienais da Bain Company
Autor: Murilo Sampaio