Paixão e rotina: será possível?

Quando jovem, apaixonava-me com frequência. Intrigava-me a efemeridade das paixões. Rapidamente, o encantamento desaparecia e aquilo que, por sua intensidade, torcia para ser eterno, não se mantinha. Cedo, constatei que a paixão é adversária do amor, que a convivência é mais do que encontros e que, quando convivemos, nosso estoque de surpresas acaba rapidamente.

Tinha como verdade que a coisa mais difícil no mundo era a manutenção de uma grande paixão. Só bem mais tarde, pude compreender que a vida real vai além de encontros e de romances. Paixão é encontro, amor é construção.

De Botton, suíço de nascimento e inglês por escolha, virou uma espécie de filósofo pop ao trazer para o cotidiano prático questões subjetivas como as emoções e os sentimentos. Em 2008, fundou a “Escola da vida”, buscando trazer reflexão sobre a vida cotidiana de cada um. Vida pessoal, vida profissional, questões como aparência, status, sucesso e, também, questões seminais como amor e paixão.

Em nosso ambiente de trabalho todas essas questões estão presentes, mas de outra forma e com outras palavras. Não falo que estou apaixonado pelo meu trabalho, mas sim, que estou muito motivado. Seja pelo prazer que me dá ao realizá-lo ou seja pelas pessoas com que interajo no meu dia a dia. Mas, tal como a paixão, manter a motivação nem sempre é fácil. O fato é que, seja na vida pessoal ou na vida profissional, paixão e motivação têm a ver com o novo, com o diferente e, também, com o passageiro.

Construir relações tem a ver com a maturidade que deve vir com o tempo e que está além da paixão. Sabemos que o verbo manter é resultado da junção de dois outros verbos. Fazer crescer é manter. Só conseguimos manter aquilo que evolui, seja na amizade, no casamento ou no trabalho. É uma espécie de paixão e motivação acalmados na forma de amor. Paixão brota do novo, amor é construído passo a passo.  Paixão é criar, amor é manter. O amor de verdade inclui a paixão que se transforma com o tempo. Assim, gosto de pensar que o amor maduro absorveu a paixão. Por isso, posso amar meu trabalho ou alguém eternamente.

Mas, quando o amor não evolui o suficiente para absorver as paixões, ele próprio deixa de ser amor.

As palavras são muitas vezes imprecisas, temos que ter cuidado ao usá-las ou mesmo ao criá-las. Qual seria a palavra adequada para um amor que também mantivesse a paixão? Uma palavra que pudesse significar uma paixão que se mantem e pudesse desantagonizar paixão e amor, mas ao contrário, as fundisse em apenas um som, qual seria? Como não existe tal palavra (pelo menos, não a conheço) e não sou capaz de criá-la, gosto da expressão “paz iluminada” para descrever o amor que não morre e nos dá força para continuar avançando.

A paz é o amor em silêncio e a luz é o caminho a seguir.

Preciso ter essa sensação, da “paz iluminada”, na maior parte da minha vida. Seja no trabalho, disseminando uma cultura onde as pessoas evoluem ou na minha casa, com minha mulher e filhos, preciso sentir que o amor está sendo construído.

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2 Comentários. Deixe novo

  • Pô caro Murilo… você está cada vez mais filósofo!!! PARABÉNS!!!

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  • HAROLDO+DE+FARIAS+RIBEIRO
    março 16, 2024 2:21 pm

    Que texto lindo, Murilo. Que inspiração! No dia a dia não percebemos estas diferenças, pelo menos com esta precisão e profundidade. Parabéns

    Responder

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