Não tenho nenhuma amizade de verdade construída a partir das relações no trabalho. Todas as que tenho nasceram no tempo de estudante, no meu caso, há mais de quarenta anos.
Tive (e tenho) relações de qualidade com vários colegas de trabalho, mas nenhuma que possa ser comparada com uma amizade verdadeira. Não existe curso intensivo de amizade! Elas são construídas como ninho de pássaros que depositam ramo a ramo até que eles se sintam seguros para procriar.
Hoje em dia, as relações tornaram-se mais voláteis, no trabalho, não é exceção. Trocamos de trabalho sem maiores dificuldades e as relações iniciadas acabam ficando para trás com o trabalho anterior.
Tenho incontáveis relações de qualidade nas empresas em que atuo, algumas com mais de vinte anos, mas jamais deixaram de ser relações profissionais. Queridos colegas, gente com muita empatia, quase sempre cordiais e que agregam ao coletivo, mas amigo vai muito além da cordialidade profissional. Diria mesmo que não tem nada a ver com o ambiente de trabalho, um locus de competição e materialista acima de tudo.
Amigo é empatia de almas, de trajetórias e de vidas. De compreensão e de críticas acima de tudo para que o outro sempre evolua. A amizade é estruturada por feedbacks puros de amor e verdade e isso é raro nos ambientes profissionais. Há sempre a sombra dos interesses.
Amizade não é sair após o expediente para um happy hour. Ali também estará latente a relação profissional, a fofoca corporativa e, se não nos policiarmos, falamos o tempo todo do trabalho, do patrão, da chefia… isso não é assunto para semear amizades, mas é o que mais acontece.
Como falei acima, não há curso intensivo para amizade. É a vida que a esculpe. Ser amigo é deixar-se conhecer, ir além dos papeis funcionais, da etiqueta corporativa e dos salamaleques cerimoniosos que fazemos para sobreviver. É uma exposição crua, total e recíproca que, às vezes, nem mesmo temos no casamento. A amizade verdadeira não cabe no palco das relações profissionais. Não tenhamos ilusões sobre isso.
Trabalho, em certo sentido, é interesse. Amizade é o oposto.
A amizade, uma relação desinteressada e despolitizada, só pode ser tangenciada no trabalho entre gerações diferentes. Tive grandes professores no início da minha carreira, me influenciaram tremendamente. Mas, isso não é amizade. É uma relação de doação e de carinho, raras de serem encontradas.
A lógica da doação, presente na amizade verdadeira, não encontra espaço contínuo no ambiente profissional. Normalmente, as relações de trabalho terminam quando trocamos de empresa. Os encontros vão se tornando menos frequentes até não mais acontecerem.
Amizade é para sempre, os empregos têm validade. Em minhas décadas de trabalho em cinco empresas diferentes, tenho apenas três pessoas que poderia chamar de quase amigas. É muito difícil nascer uma amizade verdadeira a partir do ambiente de trabalho.
Porém, nada impede que tentemos achar exceções. É raro, mas pode acontecer.