Até hoje, com quase cinquenta anos de experiência, sofro quando nossas empresas demitem. A demissão é de certa forma um fracasso, seja no processo de seleção, seja na gestão da relação. Sempre falo com os diretores que falhamos em algum momento.
Grandes mudanças, restruturações, guinadas estratégicas ou fusões e aquisições quase sempre produzem demissões.
Em 1988, tive minha primeira grande experiência com demissão. Foram 600 demissões. A empresa fazia uma restruturação e abandonávamos um segmento de mercado. Mesmo com o clima pesado que demissões acabam produzindo, fiz questão de me colocar à disposição para quem quisesse conversar comigo. Não era comum um diretor dar a cara a tapa. Das 16:00 até às 18:00, todos os dias, durante um mês, coloquei-me à disposição para falar com os demitidos que quisessem conversar.
Epistemologicamente, a verdade se revela por meio de abordagens quantitativas e qualitativas. Uma coisa é você falar quantitativamente de 600 demissões. Outra coisa é você se aprofundar em cada uma dessas demissões.
Cerca de 50 pessoas quiseram conversar comigo, quase todas com o desejo de reverter a demissão. Boas pessoas, alguns excelentes profissionais constavam dessa lista. É um drama quando você mergulha em cada demissão. Acho que meus cabelos embranqueceram em um ritmo anormal a partir daí. Toda demissão é um fracasso, guardei para sempre. Nunca esqueci essa experiência de 1988. Passei a ser muito mais preocupado com os processos de recrutamento e seleção.
Também há as demissões dissociadas de grandes turnarounds. Pessoas que trabalham há anos na empresa e que também, vez por outra, acabam sendo desligadas da empresa. Elas já mudaram de área algumas vezes, receberam feedbacks regularmente, mas por um ou outro motivo não entregam o que delas esperamos.
Todos somos feitos de conteúdo e forma. Precisamos expandir ecumênica e continuamente nosso conhecimento, adensando-o, chegando a certa erudição em determinados assuntos. Em paralelo, precisamos de humildade e profundo respeito para sinergizar nossas relações. Boas relações sem conteúdo são igualmente inúteis aos relevantes conteúdos adquiridos que não são trocados.
Precisamos sempre evoluir nas duas frentes. A demissão começa ameaçar as pessoas que perderam de vista seus dois desafios evolutivos de conteúdo e de relação. Temos que nos educar e nos treinar a praticar essa dupla evolução. Somos um misto do que achamos que somos e do que os outros acham de nós. A demissão acontece quando nos atrofiamos em uma dessas duas frentes.
Em 1987, passei uma semana internado fazendo o Grid Gerencial, metodologia de Blake e Mouton para, no geral, conseguirmos níveis diferenciados de resultados simultaneamente com a harmonização entre as pessoas. Com destaque, tratávamos como dar feedback às pessoas. O chamado feedback “verdade & amor”. Devemos estar motivados pelo sentimento de construir e de ajudar as pessoas. Em outras palavras, devemos estar motivados pelo amor e comprometidos em sempre dizer a verdade. Feedbacks regulares baseados em “verdade & amor” ajudam muito na evolução dos subordinados e reduzem o risco de demissão.
A demissão se tornará necessária quando, mesmo após diversos feedbacks frequentes, não observarmos evolução no conteúdo ou na forma das pessoas se relacionarem. Pessoas com conteúdo e relação em contínua evolução apresentam resultados melhores. Não há como negar, e essas pessoas raramente são demitidas.