Talvez, Peter Drucker tenha sido o pensador que mais nos influenciou em termos de perceber a empresa como uma continuidade da sociedade. Contribuiu para a expansão de nosso entendimento entre sociedade e suas empresas.
“A sociedade pós-capitalista será dividida por uma nova dicotomia de valores e percepções estéticas. Não serão as “Duas Culturas” – literária e científica – sobre as quais escreveu C.P.Snow, o novelista, cientista e administrador público inglês em The Two Cultures and the Scientific Revolution (1959), embora essa divisão seja bastante real. A dicotomia será entre “intelectuais” e “gerentes”, aqueles preocupados com palavras e ideias, estes com pessoas e trabalho. Transcender essa dicotomia em uma nova síntese será o grande desafio filosófico e educacional da sociedade pós-capitalista.”
Gosto de lembrar dele, não como um “guru da administração”, mas como um pensador do século XX e, sobretudo, de nossas organizações sejam elas estatais, públicas ou privadas e independentes das suas respectivas funções.
Sempre com abordagens livres e originais, Peter Drucker foi o pensador que mais me ajudou a interpretar o papel de liderança no seu tempo e circunstância, combinando saberes, percepções filosóficas e visão de futuro. Não me lembro de tê-lo visto ou ter lido em qualquer de seus livros uma prescrição do tipo “Obtenha resultado em dez passos ou algo semelhante”. Ao invés, o saudoso Drucker, nos estimulava a pensar com pragmatismo e utopia. Suas reflexões sempre foram compartilhadas, provocando igualmente mais reflexões.
Ser gerente e ser intelectual, óbvio, não são excludentes. Mas, é uma obviedade que inspira cuidados. A palavra, sua origem, sua evolução semântica e de uso carregam uma sabedoria que o tempo altera, mas não destrói.
Gerente vindo do latim, gerere, gerir, gerenciar é um bom início. Com o tempo, mais planejamento e controle foram adicionados, indicadores estabelecidos, resultados mensurados e a “metáfora maquinal” funcionando cada vez melhor. Ainda é o que prevalece, mas sua tendência de crescimento já foi maior, eu creio. Gerente está ligado à organização e a fazê-la cumprir sua função.
Do mesmo latim, intellectus, intelligere ou intellectualis sugerem inteligência, entendimento e conhecimento. Algo (ou tudo) a ver com o pensar, o livre pensar, intuitivo ou elaborado, tem a vida, o fenômeno real, os mistérios do universo e do tempo a serem interpretados.
Enquanto, o gerente faz a organização performar, o viés intelectual investiga os porquês de tudo existir, inclusive a organização e seus gerentes. O gerente tem o valor do domínio em profundidade de algo específico que envolve pessoas e processos, enquanto o intelectual, desobrigado de apresentar resultados organizacionais, visita a diversidade, duvida do que vê, usa as referências históricas subordinadas ao desejo de avançar fronteiras, não importando o objeto analisado.
Do pequeno texto acima, na verdade, uma provocação para a imensa legião de gerentes e intelectuais que conheci ao longo da vida. Fico refletindo sobre os motivos que levam um gerente a deixar de lado sua curiosidade, seu interesse e sua melhor energia para desafios que estão além de sua rotina. Quando isso acontece, ele pode diminuir sua capacidade de ver o que (ainda) não existe e o que poderia expandir sua rotina. Já os intelectuais podem correr o eterno risco de se contentarem a apenas interpretar a realidade ao invés de mudá-la.
Em busca de uma síntese necessária, porque não trazer para as organizações desafios, além da rotina? Quantas questões que habitam nosso o dia a dia são filtradas pelo funcionamento e cultura organizacionais? Intelectualizar certas questões pode significar, não uma perda de tempo, mas a fundação do novo.
Transcender dicotomias, costurar antagonismos, a meu ver, é o desafio permanente da liderança dialética.
Autor: Murilo Sampaio